PrefácioO artista popular Adoniran Barbosa, ainda que tenha nascido no interior de São Paulo - Valinhos - sua chegada na capital bandeirante, em meados da década de 1930, decretou o início de uma cúmplice amizade que duraria até 1982. Poeta e cidade cresceriam juntos e, juntos, testemunhariam o crescimento vertiginoso da metrópole que tornou-se uma famigerada selva de pedra - a qual Adoniran desbravaria em forma de personagens e versos.
Nesse trajeto de versos e inspirações, a Flor de Liz, de uma forma surpreendente e humorada, apresentará este homem que no ano do centenário de seu nascimento nos fez acreditar que na vida devemos ensinar e aprender. Adoniran, este samba é pra você....
Enredo
Um centenário, refletindo assim, até que a vida não foi ruim...
Nasci em Valinhos, interior de São Paulo, no ano de 1910. Meus pais, imigrantes italianos, me batizaram de João Rubinato. Seno o caçula, tive sete irmãos. Abandonei a escola cedo, pois não gostava de estudar.
Procurando resolver os problemas financeiros, minha família se mudou para Jundiaí, onde conheci meu primeiro ofício, ajudando meu pai no serviço de cargas em vagões, depois entregador de marmitas e varredor em uma fábrica.
Mudamos para Santo André e, aos 22 anos, transfiro-me para São Paulo, onde fui morar numa pensão. Queria ser artista, escolhi a carreira de ator. Procurei várias maneiras de meu sonho acontecer Três caminhos podiam ser trilhados: o de ator, o de cantor ou de locutor. Antes do advento do rádio, tentei o palco, mas sempre fui rejeitado.
Aprendiz das ruas, percebi as possibilidades que se abririam ao meu talento, me levando a outros caminhos. Entreguei-me ao mundo da música, busquei conquistar espaço como cantor. Cantnado em 1933, fui tentar a sorte em vários programas radiofônicos. Fui gongando com um samba brejeiro, insisti e voltei novamente cantando um belo samba de Noel Rosa "Filosofia", que me abriu as portas das rádios e ao mesmo tempo me serviu de base para minhas composições futuras.
Em 1935, venci o concurso de músicas carnavalescas da prefeitura de São Paulo com "Dona Boa", e tive minha primeira música gravada. Neste mesmo ano, passei a usar o pseudônimo Adoniran Barbosa. Adoniran veio de um amigo de boemia e Barbosa foi extraído do sambista Luiz Barbosa, que admirava muito. Por esta ocasião, casei-me com uma antiga namorada, Olga, e com ela tive minha única filha, Maria Helena.
O primeiro casamento não durou um ano, o segundo com Matilde, a vida inteira. Uma grande importância em minha vida, pois vivi para o rádio, para a boêmia e para ela. Falam por aí, que o mergulho que fiz na linguagem, como sambista, construções linguísticas, pontuadas pela escolha exta do meu ritmo, da fala paulistana, vieram na contra mão da própria história do samba, e que meu repertório é variado e não perdia uma boa blague. Os despejados das favelas, os engraxates, a mulher submissa que se revolta e abandona a casa, o homem solitário e social, estão intactos em minhas criações.
"Eu falo do modo do povo e, se o povo gostou da minha música, é porque eu to certo"Poucos sabem que além de cantor e compositor, também fiz cinema e televisão. Nas rádios, fiz programas humoristícos, no cinema, atuei em filmes e, na tv, algumas telenovelas. Meu primeiro disco (LP), no total de três, gravei em 1973, onde interpretei músicas minhas inéditas e antigas.
Criei sambas tipicamente paulista, como Saudosa Maloca, Joga a Chave, Samba de Arnesto, as Mariposas, Iracema, Viaduto Santa Efigênia e o Trem das Onze. Este último, que por ironia do destino através da interpretação dos Demônios da Garoa, venci o concurso de músicas carnavalescas no quarto centenário da fundação do Rio de Janeiro.
Junto com o conjunto Demônios da Garoa, formei uma bandinhas que animava a torcida nos jogos de futebol promovido por artistas de rádio no interior paulista. Nos últimos anos de minha vida, com o endisema avançado, e a impossibilidade de sair de casa pela noite, ainda gravei e compus algumas músicas, como Tiro ao Álvaro, gravado em 1980 por Elis Regina.
Me dediquei a reciclar alguns dos espaços mágicos que percorri na vida, inventando para mim uma pequena arte, com pedaços velhos de lata, madeira, movidos à eletricidade. Foram rodas-gigantes, trens de ferro, carrosséis. Vários e pequenos objetos da ourivesaria popular. Enfeites, cigarretes, bibelôs. Observando co cotidiano, criando um mundo mágico, me fazendo assim tradicional e inovador, pois o humor foi minha marca registrada.
Morri em 1982, aos 72 anos de idade. Minhas músicas conquistaram paulistanos, em particular, e os brasileiros em geral, por retratarem o cotidiano das camadas mais simples da população urbana da capital paulista.
Dizem que sou o grande representante da música popular paulistana, e acho que é verdade, pois ganhei Museu, virei nome de ALbergue, Escola, Praça, Bar, um Busto no Bixiga e, agora, homenageado como Enredo de Carnaval.
Grande Flor de Liz, escola da região que vivi.
"Ei, vocês compositores, aí...
Dá licença di eu contar...pois nesse samba, vou mi juntá..."
Eduardo Caetano
Carnavalesco